RESUMO
Este
resumo é instrumento de avaliação à distância da disciplina de Temas de História
de Sergipe II, coordenada pelo professor Lindivaldo, na qual faço uma abordagem
sobre os principais pontos da obra de SHARYSE Piroupo do Amaral (Escravidão,
liberdade e resistência em Sergipe: Contiguiba, 1860-1888). No qual tenho como
objetivo fazer uma reflexão sobre o exposto nesta publicação de tamanha
significância para a historiografia sergipana em especial para o período de
grande ascensão econômica do nosso Estado, advindos dos engenhos de açúcar e a
força do trabalho escravo.
Sharyse foi
feliz em seu trabalho, quando de inicio buscou fazer um apanhado bibliográfico
sobre a temática do negro e a sua relação com os senhores de engenho no Brasil
e na América, trazendo o pensamento de grandes estudiosos desta temática, com
visões semelhantes e opostas quando se tratando da questão da passividade negra
e a vida nos engenhos e suas contribuições para a formação das famílias e a
continuação cultural através das resistências camufladas na condição do
paternalismo aceito pelo negro como forma de negociação para garantir melhores
condições de sobrevivência, apresentando também as visões de pesquisadores que
se opõem a Gilberto Freire, chegando a conclusões que não era nada ameno a vida
dos escravos no Brasil nos engenhos, e que as condições de vida destes escravos
variavam muito de acordo com sua atividade econômica, uma vez que a vida de um
escravo urbano difere muito dos escravos dos engenhos e cuidadores da lida do
gado.
Neste
presente trabalho Sharyse, de forma inteligente faz um apanhado excelente da
historiografia brasileira voltada para a questão do negro antes que adentre na
temática no nordeste em especial em Sergipe na Contiguiba no período de 1860 a
1888, facilitando assim o entendimento do leitor da história local a partir de
um paradigma maior que é a questão do trabalho escravo no Brasil. Em seu
trabalho ela fala sobre as poucas fontes produzidas em Sergipe voltadas para
esta temática, mas não deixa de apresentar as ideias de Felte Bezerra,
Ariosvaldo Figueiredo e Maria da Glória de S. de Almeida, apresentando trechos
que os aproxima das concepções de Freire quando diz que os engenhos da
província sergipana tratava com tal diferença seus escravos em comparação com
engenhos de outros estados tidos como exemplos os engenhos do recôncavo Baiano
assim como podemos perceber na seguinte passagem copiado do referido trabalho:
Mal grado essas reações coletivas, a zona
canavieira de Sergipe.
será uma das regiões, no Brasil, em que
poderemos aceitar a
existência daquele tratamento relativamente
humano, do senhor
para o escravo, de que fala Gilberto
Freyre, ao estabelecer paralelo
entre o tratamento em muitas regiões
escravas do Brasil e aquele
dado pelos estadunidenses. 14 (Felte
Bezerra)
percebemos
ainda o reforço da passagem acima, quando Sharise menciona a citação feita por
Bezerra quanto ao documento Memória sobre a Capitania de Sergipe, escrito em 1808 por Dom Marcos de Souza,
vigário da Freguesia do pé do Banco atual cidade de Siriri, uma vez que
contribui ainda mais para fortalecer a ideia de que se tinha cuidados mais
brandos para com os escravos em Sergipe:
com vinte cativos fazem mais açúcar do que
os do Recôncavo com
cem escravos. São mais bem tratados:
nutridos com alimentos
saudáveis (feijão, vegetais, milho)
enquanto no Recôncavo era a
carne salgada do Rio Grande [...] senzalas
cobertas de telha,
enquanto eram de palha no Recôncavo.
Vestem-se com algodão
manufaturado pelas escravas; casam-se na
mesma família ou em outra.
Além
dos escritores acima já mencionados, tiveram envolvidos ainda com a temática da
escravidão em Sergipe segundo Sharyse; a Professora Maria Nely dos Santos,
Professor Lourival Santos, ambos consecutivamente tratando da questão
abolicionista e da resistência dos escravos enfocando para a formação de
quilombos, a criminalidade e as constantes agressões físicas, temas estes
também analisados e abordados por Amâncio Cardoso, levando em consideração os
anúncios nos jornais Recopilador Sergipano, O Raio e Jornal de
Aracaju, e de relatórios de presidentes da província, objetivando
demonstrar que os escravos resistiram à escravidão. Podemos perceber que após a
excelente abordagem inicial adentrando para os acontecimentos em torno do setor
açucareiro no Brasil do século XVIII ao final do século XIX, Sharyse sabiamente
pode fazer um relação entre a realidade em Sergipe e a realidade nas demais
províncias brasileiras envolvidas com a produção da cana de açúcar, para que
assim pudesse desenvolver a sua temática que é compreender o comportamento dos
escravos e libertos nas últimas décadas da escravidão na zona da Cotinguiba, a
região mais próspera da província de Sergipe, dominada pela cultura da
cana-de-açúcar. Após a segunda metade do século XIX, quando a escravidão
brasileira começou a entrar em colapso, como os escravos sergipanos repensaram
a escravidão? Quais as estratégias utilizadas para a obtenção da alforria?
Nesse processo, quais as relações estabelecidas com os senhores? Havia algum
tipo de solidariedade e identidade entre o escravo e o liberto? Quais as
expectativas do escravo e do liberto em relação à liberdade? Quais as relações
entre liberdade e trabalho?
Sharyse
em seu trabalho volta-se para as ultimas décadas do século XIX, abordando com
enfoque as transformações ocorridas na segunda metade do século XIX que vão
contribuir para modificar as relações entre senhores e escravos. Primeiramente,
o fim do tráfico transatlântico de escravos para o Brasil, que trouxe como
consequência a dificuldade na reposição da mão-de-obra e a nacionalização da
escravatura. Em segundo lugar, a promulgação da Lei do Ventre Livre e seus
efeitos: o acirramento das tensões cotidianas entre senhores e escravos, em um
momento em que o campo jurídico surgiu como elemento demarcador dessas
relações. Pois, como mostrou Sidney Chalhoub, a Lei de 1871, ao legitimar a
formação do pecúlio e a compra da alforria pelo escravo, tirou dos senhores a
principal base da política de dominação paternalista, que visava tanto à
obediência do escravo, quanto a formação de dependentes. A partir das brechas
da Lei de 1871 as ações de liberdade se intensificariam. Nestes processos
cíveis, os escravos, através de seus curadores – muitos deles abolicionistas -
acionavam a Justiça de forma a pressionar os senhores para que estes lhes
concedessem a liberdade.
Após
as considerações apresentadas de inicio sobre a temática da cana de açúcar e a
mão de obra escrava, Sharyse busca descrever as causas do desenvolvimento da
cana de açúcar na região da Cotiguiba apresentando a importância das vias
fluviais através das seis bacias que banham o estado e a excelente qualidade do
solo encontrada naquela região como assim podemos observar: A região da
Cotinguiba, tal como o Recôncavo baiano, possuía os solos de massapê,
argilosos, escuros e pesados, que retinham bem a umidade e era preferidos para
o cultivo da cana-de-açúcar, a cultura mais rentável no período colonial. Lá
eram encontrados também os “salões”, solos avermelhados, mais leves que o
massapê, mas também muito férteis. A região tinha o transporte facilitado pela
navegação dos grandes rios e de seus numerosos afluentes durante a maré cheia.
Numa época em que existiam poucas estradas - e as que existiam frequentemente
eram alvo de assaltos ou causas de acidentes, devido ao péssimo estado, o
transporte fluvial constituía importante fator de produção. A união desses três
elementos - solo, clima e rios navegáveis - fez com que a Cotinguiba se
tornasse o principal núcleo produtor de açúcar em Sergipe.
Dentro
da temática Sharyse coloca sobre questionamento o crescimento do numero de engenhos
em Sergipe nos séculos XVIII e XIX, questionando a origem do capital para o
investimento nos engenhos para produção de açúcar, levando em consideração a
falta de informação que comprove a origem do mesmo, baseando assim no que disse
Josué Subrinho argumentando ser provável que com o novo “boom” do açúcar, no
final do século XVIII, as terras propícias à cultura da cana tenham sofrido uma
valorização, e que os agricultores sergipanos tenham vendido parte dessas
terras, aplicando o capital adquirido com a venda na montagem de engenhos. Esse
fracionamento da terra explicaria aquele crescimento. Sendo que para Maria da
Glória Almeida o crescimento do número de engenhos pode ser explicada pela
subdivisão por herança; pela doação ou venda de parte das terras das posses
maiores; ou ainda pela baixa tecnologia - que limitava a expansão dentro de
cada engenho, obrigando os senhores a montarem novos engenhos quando havia
aumento de produção.
Fica
evidente aqui ainda que apesar do desejo de Sergipe tornar-se independente
economicamente da Bahia, este desejo não fora consumado uma vez que a Bahia era
quem dispunha das condições para escoamento da produção, sendo assim um
intermediário entre a produção de Sergipe e os mercados exteriores. Observa-se
ainda que após todas as transformações e expectativas em torno do mercado
açucareiro o auge da economia açucareira na região ocorrera por volta de 1850,
momento de alta no preço do açúcar. Por esta época se multiplicavam os núcleos
urbanos da região da Cotinguiba, que se tornava a região mais próspera da
província. Laranjeiras e Maruim eram os dois mais importantes núcleos urbanos,
por seus portos o açúcar era escoado, bem como saíam e entravam alimentos e
outras mercadorias. O desenvolvimento de um e de outro município ocorrera
paralelamente ao crescimento da economia do açúcar, e de simples vilas na
primeira metade do século XIX, tornaram-se importantes cidades, residência dos
políticos, comerciantes e intelectuais sergipanos.
Não
posso deixar de destacar, a visão que o negro tinha de sua vida e sua forma de
existência, que fica claro na ideia de Sharyse que não condizia com aquilo
escrito por Dom Marcos vigário do Pé do Banco como observamos no inicio deste
resumo, insinuando que os escravos daqui tinham uma vida mais branda do que a
dos escravos dos estados vizinhos, uma vez que não é isso que mostra Sharyse ao
observar e escrever que em Sergipe, as primeiras décadas do século XIX –
momento conturbado politicamente devido à independência do Brasil e às disputas
pelo poder decorrentes da emancipação da província perante a Bahia - foram
marcadas pelas revoltas de escravos, pelas fugas e formação de quilombos. Mas,
do ponto de vista senhorial, adotado pelo vigário, e em comparação com o
tratamento dispensado pelos senhores baianos, talvez a informação não fosse
toda ela incorreta. Sergipe era um tradicional produtor de gêneros de
subsistência, o que explicaria a abundância de cereais na dieta dos escravos,
diferentemente do Recôncavo baiano, que lutava contra a escassez de alimentos.
Por outro lado, mais pobres, com uma produção de açúcar ainda incipiente, os
senhores sergipanos teriam motivos para incentivar o cultivo de roças pelos
escravos, que assim bancavam, eles mesmos, parte de sua alimentação. A pobreza
também explicaria o incentivo aos casamentos e a reprodução natural de seus
escravos.
Sheryse
lembra que Sergipe por ter sido um dos últimos estados do Nordeste a entrar no
sistema produtivo açucareiro usando-se de mão de obra escrava, também foi um
dos últimos a efetivar a abolição. Segundo Subrinho em relação à redução da
população escrava de Sergipe, ele apontou que no período entre 1873 e 1886,
ainda era mais fácil para um escravo morrer do que conseguir a alforria.
Comparando as taxas de Sergipe com as de outras províncias nordestinas,
analisadas por Slenes, ele afirma que Sergipe detinha a menor média de
alforrias do Nordeste, estando abaixo, inclusive, da média nacional.
Subdividindo este período em dois, o autor percebeu que no primeiro, de
1873-1882, na Cotinguiba morreram 2.100 escravos, enquanto foram alforriados
apenas 875. Já no período de 1882 a 1886, foram alforriados 1.258 escravos,
contra 693 mortes.
Sendo
que somente a partir de 1886 o número de cartas de alforria tem um crescimento
significativo, algumas concedidas de forma onerosa outras gratuitas, observando
Subrinho que muitas poderiam estar sendo cedidas por troca de contratos de
trabalhos ou serviços ou mesmo em resposta a desagregação do escravismo. Outro
ponto importante abordado por Sharyse é a relação entre a insistência dos
senhores de escravos em não garantir a liberdade já promulgada na lei do ventre
livre, insistência esta apoiada na interpretação da lei na qual deixa o filho
do escravo menor de 21 anos sob a tutela e cuidados dos senhores de escravos
sendo assim ele o mesmo escravo quanto seus pais e para bem exemplificar
Sharyse traz a passagem da carta registro de Joanna Maria de Meneses Barreto
expondo sua vontade de forrar o mulatinho Agripino:
Dentre os bens que livremente possuo é bem assim
um mulatinho
de nome Agripino de ventre livre [...] de
idade de um mês e meio,
filho natural da escrava Leonôr, cujo
mulatinho pela estima que lhe
tenho lhe dou a liberdade da condição dos 21 anos
conforme marca
a lei acima mencionada, no valor de cem
mil réis que serão levados
em minha terça[...]
Vejamos
que a partir de então as relações de oposição entre senhores e escravos
permanecem da mesma forma, uma vez que os senhores detinham-se da lei para
prolongar a escravidão de seus tutelados enquanto que os escravos e livres
faziam esforços e tentavam a libertação dos seus através da compra de
alforrias. Outra forma de se conseguir a alforria era através do fundo de
emancipação, sendo que apesar de em um todo geral o fundo não ter conseguido
forrar um numero expressivo assim como pretendido, em Sergipe os números do
fundo faram significantes, uma vez que na região da Cotiguiba Segundo os dados
de Subrinho, o fundo foi responsável, ao menos em parte, por 38,14 % das
alforrias onerosas da província entre 1873-1886. Em muito dos casos os escravos
pagavam parte do pecúlio e o fundo arcava com restante para aquisição da
alforria.
Outro
ponto que não pode passar despercebido é a questão da corrupção diante ao fundo
de emancipação, uma vez que Sharyse aproveita a denuncia de Francisco José
Alves para transpor a sabedoria dos senhores de engenhos, no momento de se
fazer a devida classificação para concessão Alforrias, assim como podemos
observar na denuncia de Francisco José Alves: A lei de 28 de Setembro de 1871,
nesta província, é letra morta; aqui se inverte [sic] todos os dias a ordem da
classificação dos escravos; arreda-se da classificação aqueles que estão na
primeira classe, para dar-se preferência a outros que estão na quarta e quinta
classe, e que pertencem a senhores favorecidos da fortuna, que por esta razão
vão aproveitando bom dinheiro por escravos velhos e inutilizados que eles
tinham obrigação de os sustentar, em virtude da lei já citada. Isso é mais uma
forma de demostrar o apego dos senhores Sergipanos ao sistema escravista. Sendo
assim apresento minha visão desta luta entre a liberdade e o interesse dos
senhores pelos escravos baseando-me em SCHWARTZ, que apesar dos negros estarem
vivendo num época sem oportunidade e se espaço dentro da sociedade, eles mesmo
assim preferiam a liberdade pagando por ela, ao invés da escravidão, ou seja,
não era nada amena a vida dos escravos nas senzalas, assim como havia citado
antes Gorender que defendia que a violência era inerente ao sistema e o escravo
era visto, nas relações sociais, apenas como objeto. Chega a afirmar que a
única forma de humanidade dos cativos no sistema escravista era através do
crime: fugas, rebeliões e atos violentos dos escravos.
Já
no período pós-abolição, observamos as citações de desprezo e de
insignificância do negro como homem livre, atrelados ao julgo de preguiçoso e
inútil, sendo que o negro neste momento de transição ainda não haveria
assimilado que o ser livre não condizia ao não querer trabalhar, situação essa
que agravou o sistema econômico e levou muitos senhores a um estado de tal
preocupação com a escassez da mão de obra que afetava muito a lavoura. Havia
critica por todo lado quanto à liberdade concedida aos negros, pois estes havia
tornados ócios, sendo que muitos senhores buscaram criar leis que obrigassem os
negros terem um contrato de trabalho, tendo como consequência se não o tivesse
a prisão. Essa era uma forma de trocar os domínios do senhor pelo domínio da
policia. Sendo que apesar da qualificação dada aos negros de ócios e
preguiçosos nem sempre esta afirmação poderia ser considerada como um todo,
pois segundo Subrinho, na concepção dos senhores sergipanos, era considerado
ócio qualquer forma de subsistência que não o trabalho intenso e regular nas
grandes propriedades, por isso se discutiu meios de diminuir as alternativas de
subsistência dos libertos. Pois assim diminuindo as alternativas de
subsistência dos negros estes seriam obrigados a voltarem para a lavoura.
‘ Apesar
desta visão negativa, da relação negro livre e senhores de terras no período
que compreendeu o pós-abolição no território Sergipano, podemos observar alguns
exemplos que poderiam ser seguidos pelo restante dos senhores de engenhos da
província, mesmo sendo pouco os casos, Sharyse tem o cuidado expor a fala de
Francisco Alves noticiando os experimentos do trabalho livres, apontando para o
experimento do major Vicente de Oliveira Ribeiro que, segundo Alves, herdara
metade do engenho Varzinhas e oito ou dez escravos. Conseguiu aumentar a
produção de açúcar devido ao aluguel de homens livres para o plantio e para a
moagem da cana. Além disso, “não querendo lutar com a dificuldade de
trabalhadores incertos, morando uns aqui, outros acolá, transformou as antigas
senzalas do engenho Varzinhas, em pequenas casas aceiadas [sic], para aqueles
trabalhadores que quisessem morar na fazenda”, dando tarefas diárias a eles e
às suas mulheres e filhos. E para finalizar este meu resumo baseado nesta
excelente obra de Sheryse, colo aqui o que disse Alves defendendo o trabalho
livre sem tortura e maus tratos afirmando existir condições para o crescimento
da produção através de mão de obra livre pondo fim a escravidão, pois Alves
afirmou que a produção provincial crescera após o fim do tráfico e que, se isto
se deveu em parte à introdução de máquinas a vapor, ocorreu também pelo emprego
de mão-de-obra livre, que os senhores “foram obrigados a chamar [...] embora
somente em seis meses do ano”, como forma de repor os braços perdidos pelo
tráfico, pelas vendas e pela cólera. Não especificou de que forma este trabalho
era feito, parecendo tratar-se de jornal ou empreitada. Concluía que a abolição
era possível, e que o governo deveria marcar um prazo máximo de sete anos para
o fim do trabalho escravo.