Somos
conhecedores do Boom da industrialização nos primeiros anos do século XX em
Aracaju, sabemos também que Sergipe apesar de seu pequeno espaço territorial
foi destaque no nordeste quando se tratando da modernidade proporcionada pela
indústria nos centros urbanos. O boom econômico da indústria no século XX, foi
o principal responsável pela migração de famílias que saíram da zona rural em
busca de dias melhores na cidade.
Foi a partir desta temática que
Amando Fontes desenvolve seu romance OS CORUMBAS, publicado em 1933. Em seu
romance ele buscou a construção de uma literatura voltada para o processo de
industrialização e a vida do operário no entorno das recentes fabricas
instaladas na capital sergipana. Na criação dos personagens da família
Corumbas, fontes transcreve todos os anseios vividos no imaginário das varias
famílias camponesas, que alimentavam o sonho de liberta-se das frequentes secas
que assolavam a rotina dos trabalhadores rurais e da vida dura na lida campo,
por uma vida na cidade em que poderiam garantir emprego e dias melhores para
todos os membros da família. A partir das ideias expressa no romance voltada
para a personagem de Sá Josefa, apresento alguns comentários sobre a sonhadora
e desiludida mãe em busca de dias melhores pra sua família.
Como apresentado na obra de Fontes,
os personagens da família Corumba surge logo depois do primeiro encontro entre
Geraldo Corumba e Sá Josefa, em uma festa na fazenda do senhor João Piancó que
na ocasião pagava promessa a São José santo padroeiro das chuvas segundo a
crenças dos nordestinos, comemorando assim os bons níveis de chuvas do ano
anterior, sem imaginar o que estaria por vir anos depois. Em 1905 quando já
casados Geraldo e Sá Josefa foram testemunhas de uma das maiores mazelas
provocadas pela falta das chuvas, sendo que após a morte do senhor João Piancó
que havia morrido de desgosto, viram-se obrigados a saírem daquela fazenda com
seus três filhos e irem ganhar a vida em outro lugar, chegando assim ao engenho
Ribeira na cidade de capela, no qual permaneceram lá por dezessete anos e a
senhora Sá Josefa deu luz a mais três filhos tendo mais duas meninas e um
menino, sendo que este menino morre ainda pequeno e o casal fica então com
quatro meninas e um menino, uma vez que para a realidade que viviam no campo
ter meninas era algo bastante negativo pois a figura feminina para a labuta do
campo não servia e não geraria renda.
A saída da Família Corumba daquelas
terras para o engenho, não nutriu os sonhos da senhora Sá Josefa em conseguir
dia melhores para a sua família, logo viram-se vitimas do capitalismo rural que
sugava suas esperanças e sonhos a partir da exploração dos usineiros e senhores
de engenho. Restava agora apenas o sonho de Sá Josefa para saírem daquela
situação de miséria, pois ela apegava-se na esperança de que na cidade haveria
espaço para melhoria de vida de sua família assim como podemos observar nessa
passagem:
"Na capital, havia emprego decente para as duas meninas mais
velhas. Era
nas fábricas de Tecido. Estavam assim de moças, todas ganhando bom
dinheiro .. .
Pedro não custaria em conseguir um bom lugar,
como ferreiro ou maquinista .. .
Uma outra vida, enfim. Vestia-se melhor, andava-se no meio de gente ...
Depois,
tinha assim uma certeza, uma espécie de pressentimento, de que lá as
filhas logo
casariam. Isso, as mais velhas. As duas mais
novas iriam para a escola. Nem
precisavam até de trabalhar. Caçulínha, que
era tão viva e inteligente, bem
poderia
chegar a professora ... " (Ç. pp. 27- 28).
Sá Josefa, que tinha um irmão que já morava
na capital o escreve falando sobre o desejo de ir morar na cidade, expondo as
dificuldades em permanecer no engenho, apresentando seu desejo de adquirir
emprego para seus filhos na Capital, tendo na resposta seu irmão, um rebaixo em
seu sonho apesar de apresentar uma ideia de que a cidade teria melhores
condições de vida para a família de dona Sá Josefa e seu Geraldo, assim como
poder observar:
"Aconselhar, não aconselho, que as coisas por cá também não andam
muito boas. Mas que é melhor
do que a vida sem futuro aí do mato, principalmente
quando a gente tem a casa cheia de filhas moças, isso até um menino sabe
que é.
Se resolverem vir, o
trabalho para as duas mais velhas está garantido, que
isso
eu mesmo posso arranjar" (Ç. p. 28).
A partir do instante em que a família Corumba se instala na cidade,
vemos uma mudança radical no seu modo de vida. Nesse momento percebe-se que o
sonho que a senhora Sá Josefa carregava em si, de que a vida na cidade traria
mudanças significativas pra vida de sua família, foi se perdendo ao passo que sua família degradava-se nas
péssimas condições de vida a qual aquela família estava inserida forçadamente
pela situação daquela realidade. Pra refletirmos sobre as condições de vida da
famílias pobres operária da época basta analisarmos as condições das casas
descrita da obra de Fontes:
Àquela
hora, ainda reinava o mais completo silêncio em casa de Geraldo. Sá Josefa (era
assim que a tratava todo o bairro), posto já estivesseacordada, deixara-se
ficar sobre as tábuas duras da cama, toda encolhida de frio, debaixo da sua
desdobrada miserável coberta de retalhos. O sudoeste soprou mais forte, açoitando a chuva por entre as frestas do
telhado. Então a mulher abriu os olhos, dístendeu os braços e as pernas, e murmurou, num bocejo: - Santo Deus!
Ainda chove! Como não devem estar estas ruas? Permaneceu ainda uns momentos estirada sobre a enxerga. De repente, lembrando-se
das mil ocupações que a esperavam, levantou-se às carreiras, falando consigo mesma: - Virgem Maria! É de hoje que o
relógio deu quatro horas!. .. Deixe-me fazer o café, para acordar o pessoal. Apanhou do chão a caixa de fósforo e
acendeu o pavio de algodão do alcoviteiro.
Uma luz mortiça espalhou-se pelo quarto, mobiliado apenas pela cama de pinho sem verniz, uma cadeira de
peroba mal lavrada, e, a um canto, o baú de folha-de-flandres, pintado
de verde, com umas florzinhas amarelas.
Tão logo se achou vestida, apanhou do chão o candeeiro e foi até a sala
da frente para acordar o filho, que dormia numa esteira da tábua, estendida
sobre o chão. Mas não teve necessidade de chamá-lo. Vendo-a entrar, Pedro
ergueu-se e lhe falou: (Ç. pp. 34). A
velha fez-lhe ainda umas perguntas: "se iria mesmo para o serviço; se o
largara a febre que desde três dias o
minava". Em seguida, atravessou o corredor apertado, a sala de
jantar (onde, numa cama de ferro estreitíssima, dormiam as duas filhas menores), e entrou no apertado
cubículo a que chamavam a 'cozinha'. Três grandes pedras brutas
serviam-lhes de fogão. Pôs alguns cavacos entre elas. Feito o fogo, colocou em cima a velha chaleira que usavam
desde o engenho, e onde iria
ferver a água para o café.
Estava
deitando feijão com farinha e um pedaço de lingüiça na vasilha que Pedro ia levar, quando este se aproximou, o
chapéu na cabeça. -Que é isso?
perguntou-lhe a mãe, meio surpresa. Não toma nada antes de ir? - A
constipação me tirou toda a vontade de comer, respondeu ele secamente. Pode ser que eu compre um pão aí
pelo caminho. Pôs a lata sob o braço e foi saindo. Encaminhou-se para o
quarto que ficava entre o seu e a sala de jantar. Nalgumas tábuas estendidas
sobre quatro caixões de querosene, dormia Albertina, a segunda filha do casal,
morena clara, olhos negros e vivos, num
grande
corpo bem feito e transbordante de saúde. A um canto, numa redezinha "trançada", de fios brancos e
vermelhos, Rosenda ressonava, a dormir profimdamente. Era a mais velha
de todas (Ç. pp. 33
-
36).
Além destas
condições de subsistência a que estava inserida esta família, a senhora Sá
Josefa já percebia a mudança de comportamento de suas filhas numa espécie de
pressentimentos já imaginava como seria o fim daquelas belas moças que viria do
campo pra cidade assim como vemos na passagem a seguir:
Eu
sempre fui a que sou hoje. Vocês, sim, é que mudaram ... Quando a gente morava na Ribeira, não havia passeios
toda noite, nem amiguinhas, nem namoros.
Mas, lá, vocês eram tementes. Aqui, é que engrossaram o pescoço. Fazem o
que bem dá na veneta, andam acima e abaixo pelo mundo, como bois soltos no
pasto, e depois, pai e mãe que se calem ... Ah! Quanto eu me arrependo de ter deixado o meu Engenho!... Foi aqui que
vocês deram pra reclamar o trabalho, se lastimando a cada passo e cada
hora. Mas eu sei porque é isso. É porque o tempo é pouco pra tratar de
vestidinhos, de sapatos, e mais isso e mais aquilo! Agora, querem viver que nem umas bonecas, de laçarote no cabelo e
cara lambuzada de pintura! (Ç. p. 63).
A vida das mulheres naquela
momento não era fácil e se tratando de
mulher pobre e operaria então, mesmo buscando vencer pelo trabalho as filhas do
casal Corumba, se viram a todo instante seduzidas e tentadas por homens que não
estava nenhum pouco afim de compromisso, uma vez que as pobres moças sonhadoras
que almejavam crescer viram na figura de um coronel, de um médico e de um
advogado a saída de todos os transtornos, sendo
a partir de então a entrada daquela família a um calabouço sem saída
chegando ao fim do poço e da desgraça e injuria por parte daquela família que
viram suas filhas entregues a prostituição, uma filha morta devido as péssimas
condições de vida em torno das fábricas e o filho preso. O destino da família
Corumba foi fruto do meio a que estavam inseridos, e não tendo mais nada a
fazer na cidade o casal vê-se obrigado a voltar para a Ribeira e a senhora Sá
Josefa que havia sonhado uma vida digna pra seus filhos na cidade volta pra o
engenho na mais pura desilusão e desencanto com a modernidade.
REFERÊNCIAS
FILHO, Barreto. "Os Corumbas ". In: Jornal
Literatura. Rio de Janeiro, (I, 3) 5/8/1933.
FILHO, M. Paulo. "Os Corumbas". In: Correio
da Manhã. Rio de Janeiro, 18/8/1933.
FONTES, Amando. "Discurso de Amando Fontes na Sociedade
Felipe de Oliveira". In: Jornal Literatura. Rio de Janeiro, (I, 17)
5/4/1933.
Silva, Roberto
José da. Inferno Urbano : estudo do espaço em Os Corumbas, de Amando Fontes I
Roberto José da Silva. -- Campinas, SP : [ s.n.], 2005.