Após as revoluções industriais ocorridas na Inglaterra no século XVIII,
emerge no mundo ocidental um sistema comercial dinâmico e diferenciado do
mercantilismo vivenciado entre as colônias e as metrópoles nos primeiros
momentos após o período de transição da economia feudal para mercantilista.
O sistema econômico do ocidente passa por grandes transformações e nesse
momento surgem os questionamentos, quanto ao envolvimento do governo na
econômica, surgindo duas correntes das quais até os dias de hoje vemos
contestações. Afinal a economia precisa ou não precisa da intervenção
governamental? Liberalismo ou não liberalismo econômico. Envolvendo-se com esta
temática Laura Valadão de Matos em sua obra “As razões do laissez-faire”: uma
analise as criticas ao mercantilismo e da defesa da liberdade econômica na
riqueza das nações, faz um excelente apanhado de informações acerca deste tema,
tomando como fonte principal do seu trabalho as ideias e publicações de um dos
maiores estudiosos do sistema econômico, Adam Smith.
Matos busca repostas para
o “laissez-faire”, expressão-símbolo do liberalismo
econômico, na versão mais pura do capitalismo, de que o mercado deve
funcionar livremente, sem interferência. Filosofia esta que se tornou dominante
nos Estados Unidos e nos países ricos da Europa durante o final do século XIX até o início do século XX.
No primeiro momento Laura Valadão de Matos atribui este enfoque a Smith, por
ter sido ele o primeiro a dizer que a mão invisível do mercado seria suficiente
para controlar todas as relações comerciais e sociais dentro dos grupos sem a
necessidade de intervenção da mão visível do Estado, atribuindo a este apenas o
papel de garantia da ordem e administração da justiça. De imediato Mota diz que
ao longo do
tempo, diversos esforços foram empreendidos no sentido de corrigir e qualificar
esta visão. As inúmeras funções sociais e econômicas atribuídas por Smith ao
Estado na Riqueza das Nações (doravante RN) foram enfatizadas, as
suas posições políticas foram analisadas e a compreensão dos especialistas refinou-se
consideravelmente. No entanto, a visão “canonizada” em pouco se modificou.
Valadão, num primeiro momento apresenta a visão de
Smith, sobre o sistema mercantil, atacando de forma dura, a forma pela qual o
Estado busca intervir na balança comercial, agindo de forma protecionista sem
dar o devido espaço para a competitividade de produção e comercialização, ora
restringindo as importações e incentivando as exportações, ora incentivando as
importações e restringindo as exportações quando o assunto era matéria prima,
muita das vezes proibindo até mesmo que alguns artesãos pudesse levar sua mão
de obra para outros lugares, com receio de que países concorrentes pudessem
apropriar-se deste conhecimento. A autora faz questão de expor a visão
favorável de Smith ao sistema de liberdade natural e entre as várias criticas
ao sistema mercantil, ela aponta duas entre tantas, em que ele ataca de forma
consistente este sistema mercantil protecionista, sendo uma das criticas
voltada para questão econômica e a outra mais voltada pra questão filosófica.
Na apresentação de Smith, sobre O “obvio e simples sistema de liberdade natural”, diz
que se o Estado não estivesse presente no mercantilismo numa predominância
de restrições, privilégios, concessões, subsídios, incentivos, etc. tudo estaria ligado por uma liberdade
natural, ou seja, a liberdade natural é essência. Para Smith Todo homem,
desde que não viole as leis de justiça, é deixado perfeitamente livre para
buscar seu próprio interesse do seu próprio jeito, e para colocar o seu
empenho.
e
o seu capital em concorrência com aquele de qualquer outro homem, ou ordem de
homens. Partindo deste pensamento Smith coloca que o Estado não seria neutro ao
sistema, cabendo-lhe obrigações essências para o bom funcionamento da ordem que
seria: a garantia da defesa nacional, a administração da justiça e a execução
de obras públicas que, apesar de importantes para a sociedade, não seriam
empreendidas se deixadas ao encargo das decisões individuais entre elas,
podemos citar como relevantes, a educação e as obras de infraestrutura. Sendo
assim segundo Smith teríamos um estado atuante, sem devidas interferências
ditando onde, quando e como os indivíduos deveriam agir no mercado.
Fazendo alusão a hierarquia
econômica presente no Livro II de Smith, Valadão aponta o pensamento dele sobre
a forma do capital investido. Para Smith se um valor X for aplicado de forma
igualitária em diversos setores da economia, como Indústria, agricultura, e
serviços e comércio, o valor investido na agricultura geraria mais trabalho e
um maior rendimento ao capital investido. Como assim podemos observar no trecho
que se segue:
Nesta hierarquia, a
agricultura ocuparia um lugar de destaque uma vez que para Smith, “[n] nenhum
capital de igual dimensão (qual
capital) coloca em movimento uma quantidade maior de trabalho produtivo
do que aquele do fazendeiro (farmer)(...)” (WN, II, v:363), ou adiciona mais “(...) ao valor do produto
anual da terra e do trabalho do país,[e] à riqueza real em rendimento de seus
habitantes.” (WN, II, v: 364).
16 Assim, ele conclui que “(...) [d]e todas as formas nas quais o capital pode
ser empregado, esta é de longe a mais vantajosa para a sociedade.” (idem). O
trabalho produtivo na agricultura seria capaz não somente de repor um valor
igual ao capital que o empregou acrescido da remuneração do capitalista, mas
reproduziria um valor muito maior — que permitiria também o pagamento de uma renda
para o dono da terra (WN, II,
v: 364). A seguir nesta ordenação encontrar-se-ia a manufatura (WN, II, v: 366) – que reporia o
capital adiantado à produção com lucro, mas seria incapaz de gerar uma renda da
terra. Depois viriam as atividades ligadas ao comércio que Smith subdivide em
três, a saber, comércio doméstico (home
trade), comércio externo de consumo (foreign trade of consumption), comércio externo de transporte (carrying trade) e, utilizando os mesmos critérios, ordena-os nesta ordem
(WN, II, v: 371-2). 1
Smith alega que seria melhor para uma distribuição de
renda da população, se as aplicações avançassem como na agricultura para o
comércio externo apenas na medida em que as oportunidades de emprego fosse se
esgotando nos setores mais produtivos da economia, pois assim os lucros
voltaria a partir de novos campos de trabalhos através das exportações após o
mercado interno está bem atendido. Sendo que o capital investido geraria um
maior numero de empregos primeiramente na agricultura, seguido da manufatura e
por viria o comércio.
Quanto à politicas mercantilistas,
Smith diz que o estado deve rejeitar a ideia enraizada no sistema mercantilista
de canalizar para o comércio externo grande parte do capital do país, investido
em produtos domésticos e em comércio de transporte. uma vez que os governos
voltam-se para a balança comercial como se fosse o único meio pelo qual
possibilitaria a riqueza do país na simbologia de aquisição de metais
preciosos, e com isso o mercado interno ou consumo doméstico tornou-se
subsidiário ao comércio externo. Smith ainda faz menção de que a visão
preponderante do comércio externo sobre o interno e da cidade sobre o campo não
seja algo propriamente criado pela politica mercantilista, pois segundo ele
desde a queda do império Romano, uma serie de fatos e instituições fez com que a agricultura
se tornasse, aos olhos dos indivíduos, desvantajosa em relação às atividades
desenvolvidas nas cidades. Motivos estes oriundos da boa administração da
justiça e das instituições e as garantias do direito a propriedade privada que
se originou nas cidades antes do campo.
Pois assim o empenho da indústria
que visa algo além da subsistência, foi desenvolvido na cidade antes de ser
praticado no campo, permanecendo o campo pobre e mal desenvolvido enquanto que
as cidades enriqueciam, criando assim uma visão negativa do campo, que sem
encontrar comercio favorável para escoar os produtos oriundos das cidades,
buscou criar mercados externos criando também uma visão negativa do comércio
interno. Na visão de Smith essa forma de minimizar o comércio interno e exaltar
o comércio externo, de colocar em primeiro plano a manufatura em relação à
agricultura, foi uma forma pela qual o sistema desviou de um emprego melhor
para um emprego pior, ele conclui que o poder de troca anual ao invés de
aumentar, conforme a vontade do legislador será necessariamente reduzido por
qualquer regulação do gênero.
Sendo assim estas politicas segundo
a Smith, reduziria a concentração de riqueza da nação ao contrario do que pensava
a politica mercantilista. Pois a economia fica presa às manobras do governo
impedindo que a livre iniciativa e os investimentos possam aumentar a riqueza
de seus investidores e consequentemente a riqueza do Estado longe dos dogmas da
mão visível. Para Smith O curso natural do desenvolvimento das nações ou
“progresso natural da opulência” – aquele que vigoraria na ausência de
restrições, leis, costumes ou outros tipos de interferências que distorceriam
as decisões alocativas dos agentes — se daria, portanto, da seguinte forma:
“(...) a maior parte do capital de
qualquer sociedade em
crescimento é direcionada em primeiro lugar à agricultura, depois à manufatura e por último ao comércio
externo.” E esta, como vimos, seria a sequência que — ao respeitar a
hierarquia de produtividade do capital — maximizaria a riqueza.
Vimos
ainda nesta obra, o que diz Smith quanto ao protecionismo das politicas
mercantilistas, Smith fala que estas instituições politicas acabaram por
solapar benefícios naturais, em termos de sensação de segurança, liberdade e independência — que
levariam as pessoas a preferirem naturalmente investir na agricultura a
investirem nas manufaturas, e as atividades relacionadas ao mercado externo, às
menos “produtivas” dentre as diversas aplicações de capital, se tornaram
prematuramente estimuladas. O curso natural foi, assim, “(...) inteiramente
invertido” (WN, III, i: 380) e, na avaliação de Smith, a ordem que
prevaleceu historicamente seria uma “(...) ordem não natural e
retrógrada” (idem) e socialmente menos desejável por diminuir as possibilidades
de crescimento da riqueza.
O sistema de liberdade, que Smith
defende é a correção da inversão de fatores que tende a priorizar as
manufaturas o comércio externo, propondo através do sistema natural o
crescimento relativo do setor agrícola. Neste ambiente institucional, as
escolhas que favoreceriam individualmente os agentes seriam compatíveis com
aquelas que maximizam a opulência das nações. Este é, talvez, o principal
argumento arrolado na RN por Smith na sua defesa da liberdade natural. Smith
traz um exemplo que apresenta a superioridade do sistema natural em relação ao
sistema mercantil, para ele o desenvolvimento da América quando restrita a
poucas manufaturas seria o ideal para que assim todos pudessem observar que
América havia progredido e a Europa estacionada presa a suas manufaturas.
Quanto ao assunto “justiça e
Liberdade”, Smith esclarece que justiça e igualdade não podem ser entendidas na
mesma ordem como coisas parecidas, pois para ele, o conceito de justiça não
envolve a noção de igualdade, pelo contrário, ele remete a desigualdade de
riquezas às diferenças naturais existentes entre os indivíduos no que se refere
ao seu empenho, diligência e suas habilidades. 28 E seria justamente a existência
de grandes desigualdades de fortuna que tornaria, segundo Smith, necessária a
existência do governo. Este teria a incumbência de impedir que a busca auto
interessada dos pobres os levassem a prejudicar os ricos que através de seu
empenho e esforço acumularam mais propriedade. Assim, garantir a justiça
envolveria, proteger, tanto quanto possível, todo membro da sociedade de
injustiça e opressão por parte de todos os seus outros membros.
O significado de justiça no campo da
politica para Smith significava tratamento imparcial igualitário para todos,
pois para ele ninguém é obrigado a suportar as restrições e impedimentos em
algumas situações para apenas uma parcela dos envolvidos na disputa, e sendo
assim ele discorre da seguinte forma: “(...) Ferir em qualquer grau os
interesses de qualquer ordem de cidadãos, por nenhuma outra razão que não a de
promover aqueles de outra ordem, é evidentemente contrário àquela justiça e
igualdade de tratamento que o soberano deve a todas as diferentes ordens de
súditos” (WN, IV, vii: 654).
Não podemos deixar de citar aqui,
que apesar de Smith defender um sistema natural, ele não esquece que para o bom
funcionamento o Estado teria que estar presente, controlando e garantindo a
continuidade de alguns serviços que só o Estado pode ser capaz de gerir, tendo
os homens dentro deste processo natural de agirem de forma ética dentro do
processo de comercialização, pois assim já mencionado que o homem na constante
busca pela riqueza é mais obvio pensar na equidade do que na honestidade.
Assim, não somente em termos econômicos o sistema de liberdade natural parecia,
para Smith, preferível ao “mercantil”, ele seria também mais justo.
REFERENCIAS
Revista de Economia Política, vol. 27, nº 1
(105), pp. 108-129, janeiro-março/2007
MATTOS, Laura Valladão de, as razões do laissez-faire:
uma análise
do
ataque ao mercantilismo e da defesa da liberdade econômica na Riqueza das
Nações.
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